David G. Dalin
Rabino de Nova York
Mesmo antes de sua morte, em 1958, Pio XII já era acusado na Europa de ser favorável ao nazismo – um lugar-comum da propaganda comunista contra o Ocidente.
A acusação desapareceu por alguns anos sob a onda de homenagens que se seguiu à morte do Papa, provenientes tanto dos judeus quanto dos gentios, para reaparecer outra vez em 1963, com a publicação de O Vigário, obra de Rolf Hochhuth, escritor alemão de esquerda (que já pertencera à Hitler Jugend).
O Vigário era uma obra muito fantasiosa e altamente polêmica, na qual se sustentava que a preocupação de Pio XII com as finanças do Vaticano o haviam deixado indiferente ao extermínio da população judaica na Europa. Mas a obra de Hochhuth despertou também notavelmente a atenção da opinião pública, desencadeando uma controvérsia que se arrastaria até o final dos anos 80. Agora, passados mais de trinta anos, a mesma controvérsia explodiu de maneira imprevista, por razões que não são imediatamente claras.
Nos últimos dezoito meses saíram nove livros que falam de Pio XII: Hitler’s Pope, de John Cornwell (o único já publicado no Brasil, com o título O papa de Hitler, editora Imago); Pius XII and the Second World War, de Pierre Blet; Papal Sin, de Garry Wills; Pope Pius XII, de Margherita Marchione; Hitler, the War, and the Pope, de Ronald J. Rychlak; The Catholic Church and the Holocaust, 1930-1965, de Michael Phayer; Under His Very Windows, de Susan Zuccotti; The Deformation of Pius XII, de Ralph McInerny, e recentemente Constantine’s Sword, de James Carroll.
Como quatro desses livros – os de Blet, Marchione, Rychlak e McInerny – alinham-se em defesa do Papa e dois deles – Wills e Carroll – envolvem Pio XII somente como uma parte dentro de um ataque mais amplo ao catolicismo, o quadro pode parecer equilibrado. Com efeito, lendo todos esses livros pode-se concluir que os defensores de Pio XII têm uma melhor argumentação.
Apesar disso, foram os volumes que difamam o Papa que se tornaram o centro das atenções. (...)
Einstein, Golda Meir, Herzog...
Surpreendentemente, quase todos os que seguem essa linha atualmente – desde os ex-seminaristas John Cornwell e Garry Wills até o ex-padre James Carroll – são ex-católicos ou católicos contestatários. Para os líderes judeus da geração que nos precede, a campanha contra Pio XII teria sido extremamente desconcertante. Durante e depois da guerra, muitos judeus famosos – Albert Einstein, Golda Meir, Moshe Sharett, Rabbi Isaac Herzog e muitos outros – expressaram publicamente sua gratidão para com Pio XII. No seu livro de 1967, Three Popes and the Jews, o diplomata Pinchas Lapide (que foi Cônsul de Israel em Milão e entrevistou os italianos sobreviventes do Holocausto) declarou que Pio XII "contribuiu de maneira substancial para salvar 700 mil judeus da morte certa nas mãos dos nazistas, talvez até 860 mil". (...)
No fundo, o livro de Lapide de 1967 é ainda a obra mais eficaz escrita por um judeu sobre esse assunto, e nos trinta e quatro anos que se passaram desde o seu lançamento muito material foi colocado à disposição nos arquivos do Vaticano e em outras partes do mundo. Foram coletados muitos testemunhos diretos e uma quantidade impressionante de entrevistas com os sobreviventes do Holocausto, capelães militares e civis católicos. Dados os recentes ataques, chegou a hora de combater novamente em defesa de Pio XII. (...)
Em janeiro de 1940, por exemplo, o Papa deu instruções à Rádio Vaticana de que revelasse as "horríveis crueldades da selvagem tirania" que os nazistas estavam infligindo aos judeus e aos católicos poloneses. Dando notícia da transmissão uma semana depois, o Defensor Público dos judeus de Boston reconheceu-a por aquilo que era: "Uma denúncia explícita das atrocidades perpetradas pelos alemães na Polônia ocupada pelos nazistas, declarando abertamente que são uma afronta à consciência moral de toda a humanidade". O New York Times escreveu em seu editorial: "Hoje o Vaticano falou, com uma autoridade que não pode ser posta em discussão, e confirmou os piores presságios de terror que emergem das trevas da Polônia". Na Inglaterra, o Manchester Guardian elogiou o Vaticano como "o mais enérgico defensor da Polônia torturada".
"Espiritualmente semitas"
De fato, qualquer leitura honesta e acurada das circunstâncias demonstra como Pio XII nunca deixou de expressar sua crítica pessoal ao nazismo. Basta apenas pensar em alguns pontos salientes da sua oposição antes da guerra.
Dos quarenta e quatro discursos pronunciados por Pacelli na Alemanha, como Núncio Apostólico, entre 1927 e 1929, quarenta denunciavam algum aspecto da ideologia nazista emergente. Em março de 1935, Pacelli escreveu uma carta aberta ao bispo de Colônia, definindo os nazistas como "falsos profetas, para orgulho de Lúcifer". Naquele mesmo ano, diante de uma enorme multidão de peregrinos em Lourdes, lançou-se contra as ideologias "possuídas pela superstição da raça e do sangue". Dois anos depois, em Notre Dame, Paris, chamou a Alemanha de "essa nobre e forte nação que se desviará de seu caminho levada por maus pastores, para abraçar uma ideologia racista". Os nazistas eram "diabólicos", dizia reservadamente aos amigos. Hitler é "totalmente obsessivo", disse a irmã Pascalina, que foi sua secretária por muitos anos. "Tudo isso não é um ganho para ele, ele é um destruidor. (...) Esse homem é capaz de caminhar sobre os cadáveres". Ao encontrar, em 1935, o heróico anti-nazista Dietrich von Hildebrand, Pio XII declarou: "Não há possibilidade de conciliação" entre o cristianismo e o racismo nazista, uma vez que "são como fogo e água". (...)
Foi no período em que Pacelli era o conselheiro particular de seu predecessor, Pio XI, que este fez a famosa declaração de 1938, diante de um grupo de peregrinos belgas, afirmando que "o anti-semitismo é inadmissível; espiritualmente somos todos semitas". Foi ainda Pacelli quem escreveu o esboço da encíclica de Pio XI Mit brennender Sorge, uma condenação à Alemanha, entre as mais ásperas que a Santa Sé já tenha pronunciado. Nos anos 30, Pacelli foi amplamente difamado pela imprensa nazista como o cardeal de Pio XI "amigo dos judeus", por causa das mais de cinqüenta cartas de protesto enviadas por ele aos alemães, na qualidade de Secretário de Estado do Vaticano. Acrescente-se a isso alguns episódios notáveis da ação de Pio XII durante a guerra.
The New York Times
Sua primeira encíclica, Summi Pontificatus, publicada às pressas em 1939 com a finalidade de impetrar a paz, era, em parte, uma declaração de que o papel do papado era de interceder junto às partes beligerantes, mais do que de tomar partido por uma delas. Mas citava também, muito argutamente, São Paulo: "Não há mais judeu nem grego", usando a palavra "judeu" especificamente no contexto de um repúdio à ideologia racial. O New York Times acolheu a encíclica com um artigo de primeira página no dia 28 de outubro de 1939: "O Papa condena os ditadores, os violadores de tratados e o racismo". Forças aéreas aliadas jogaram de pára-quedas milhares de cópias do jornal sobre a Alemanha, na tentativa de redespertar sentimentos anti-nazistas.
Entre 1939 e 1940, Pio XII serviu de intermediário secreto entre os membros de uma conspiração alemã anti-hitlerista e os ingleses. Correu riscos também quando advertiu os aliados para a iminente invasão alemã à Holanda, Bélgica e França. (...)
Quando, em 1942, os bispos franceses publicaram cartas pastorais contra as deportações, Pio XII enviou seu Núncio Apostólico para protestar junto ao Governo de Vichy contra "as prisões desumanas e a deportação dos judeus das regiões da França ocupada, para a Silésia e algumas partes da Rússia". A Rádio Vaticana comentou ao longo de seis dias seguidos as cartas dos bispos – nesse período, na Alemanha e na Polônia, ouvir a Rádio Vaticana era um crime, que alguns pagaram com a pena capital. "É provável que o Papa interceda pelos judeus relacionados nas listas de deportação da França", era a manchete do New York Times em 6 de agosto de 1942. "Vichy captura os judeus; ignorado o apelo do papa Pio", publicava o Times três semanas depois. (...)
Em 1944, depois da libertação de Roma, mas antes do final da guerra, Pio XII disse a um grupo de judeus romanos que foram agradecer pela sua proteção: "Por séculos os judeus foram tratados injustamente e desprezados. Chegou a hora em que devem ser tratados com justiça e humanidade, Deus o quer e a Igreja o quer. São Paulo nos diz que os judeus são nossos irmãos. Mas deveriam ser também acolhidos como amigos".
Uma vez que esses e centenas de outros exemplos são desacreditados um por um nos livros que atacaram recentemente a imagem de Pio XII, o leitor pode perder de vista o seu valor, o efeito que tem o seu conjunto, que não dá margens a nenhuma dúvida – sobretudo entre os nazistas – sobre a posição do Papa. (...) Em um editorial de 1941, o New York Times declarou: "A voz de Pio XII é uma voz solitária no silêncio e na escuridão que envolvem a Europa neste Natal. (...) Pedindo uma 'nova ordem autêntica', baseada em 'liberdade, justiça e amor', o Papa colocou-se abertamente contra o hitlerismo". (...)
Ao avaliar como poderiam ter sido as intervenções de Pio XII, muitos (inclusive eu) gostariam de tê-lo visto pronunciar excomunhões explícitas. Os nazistas, de tradição católica já haviam incorrido automaticamente na excomunhão, com todos os seus atos, desde o abandono da freqüência à missa até à não-confissão dos homicídios e o repúdio público do cristianismo. E, como fica claro pelos seus escritos e discursos, Hitler deixara de se considerar católico – aliás, considerava-se anti-católico – já muito tempo antes de subir ao poder. (...)
"Suicídio voluntário"
Os sobreviventes do Holocausto, como Marcus Melchior, rabino chefe da Dinamarca, observavam que "se o Papa tivesse tomado explicitamente uma posição, Hitler provavelmente teria massacrado bem mais do que seis milhões de judeus e talvez dez vezes dez milhões de católicos, se tivesse oportunidade para isso". Robert M. W. Kempner, referindo-se à sua própria experiência durante o processo de Nurembergue, afirmou em uma carta à redação, depois de o Commentary ter publicado um trecho do livro de Guenter Lewy em 1964: "Qualquer movimento de propaganda da Igreja Católica contra o Reich hitlerista não só teria sido um 'suicídio voluntário' (...) mas teria também acelerado a execução capital de um maior número de judeus e sacerdotes".
Não se trata de uma questão puramente especulativa. Uma carta pastoral dos bispos holandeses que condenava "o impiedoso e injusto tratamento reservado aos judeus" foi lida em todas as igrejas holandesas em julho de 1942. A carta, apesar das suas boas intenções, e de, portanto, ter sido muito provavelmente inspirada em Pio XII, teve conseqüências inesperadas. Como observa Pinchas Lapide: "A conclusão mais triste e que mais nos faz pensar é que, enquanto o clero católico da Holanda protestava contra a perseguição dos judeus com mais força, de maneira mais aberta e com maior freqüência do que a hierarquia religiosa de qualquer outra nação ocupada pelos nazistas, o contingente mais numeroso de judeus deportados para os campos de extermínio – cerca de 110 mil, ou 79% do total – proveio exatamente da Holanda". (...)
Certamente se poderia perguntar: o que podia haver de pior do que o genocídio de seis milhões de judeus? A resposta é: a carnificina de outras centenas de milhares. E o Vaticano trabalhou justamente para salvar a todos que podia. (...) É sabido que, enquanto cerca de 80% dos judeus europeus encontrou a morte durante a Segunda Guerra Mundial, dos judeus italianos 80% se salvaram.
Nos meses em que Roma se encontrava sob ocupação alemã, Pio XII instruiu o clero italiano sobre como salvar vidas usando de todos os meios possíveis. (...) A partir de outubro de 1943, Pio XII dispôs que igrejas e conventos de toda a Itália concedessem esconderijo aos judeus. Como conseqüência – e apesar do fato de Mussolini e dos fascistas terem cedido à exigência de Hitler de dar início às deportações também na Itália – muitos católicos italianos desobedeceram às ordens alemãs.
Rabat-Fohn
Em Roma, 155 conventos e mosteiros deram asilo a aproximadamente cinco mil judeus. Pelo menos três mil encontraram refúgio na residência de verão do pontífice, em Castel Gandolfo. Sessenta judeus viveram por nove meses dentro da Universidade Gregoriana e muitos foram escondidos no subsolo do Pontifício Instituto Bíblico. Centenas de outros judeus encontraram asilo dentro do próprio Vaticano. Seguindo as instruções de Pio XII, muitos padres, monges, freiras, cardeais e bispos italianos empenharam-se para salvar milhares de vidas judias. O cardeal Boetto, de Gênova, salvou pelo menos oitocentas vidas. O bispo de Assis escondeu trezentos judeus por mais de dois anos. O bispo de Campagna e dois de seus parentes salvaram outros 961 em Fiume. (...)
Porém, uma vez mais, o testemunho mais eloqüente é justamente o dos nazistas. Documentos fascistas publicados em 1998 (e reunidos no livro Papa Pio XII, de Marchione) falam de um plano alemão denominado "Rabat-Fohn", que deveria ser posto em prática em janeiro de 1944. O plano previa que a oitava divisão de cavalaria das SS, disfarçada de soldados italianos, conquistasse São Pedro e "massacrasse Pio XII e todo o Vaticano", e menciona explicitamente o "protesto do papa em favor dos judeus" como motivo dessa represália. Uma história análoga pode ser traçada por toda a Europa. (...)
Mas o ponto de partida para esta discussão está no fato de que as pessoas daquela época, tanto os nazistas quanto os judeus, consideravam o Papa como o mais importante opositor da ideologia nazista no mundo.
Já em dezembro de 1940, em um artigo da Time Magazine, Albert Einstein rendeu homenagem a Pio XII: "Só a Igreja posicionou-se abertamente contra a campanha de Hitler pela supressão da verdade. Nunca tive um particular amor pela Igreja até hoje, mas agora experimento grande estima e admiração, pois somente a Igreja teve a coragem e a firmeza de posicionar-se em defesa da verdade intelectual e da liberdade moral. Sinto-me, portanto, obrigado a confessar que atualmente aprecio sem reservas aquilo que antes desprezava".
Em 1943, Chaim Weizmann, que depois se tornaria o primeiro presidente do Estado de Israel, escreveu que "a Santa Sé está prestando o seu poderoso auxílio onde é possível, para aliviar a sorte dos meus correligionários perseguidos".
Moshe Sharett, vice-primeiro-ministro israelense, encontrou Pio XII ao final da guerra e "disse-lhe que era meu primeiro dever agradecer a ele, e por meio dele à Igreja Católica, em nome do povo judeu, por tudo aquilo que haviam feito, em diversos países, para proteger os judeus".
Isaac Herzog, rabino-chefe de Israel, enviou uma mensagem em fevereiro de 1944, declarando: "O povo de Israel nunca esquecerá o que Sua Santidade e seus ilustres delegados, inspirados pelos princípios eternos da religião, que estão na base da autêntica civilização, estão fazendo pelos nossos desafortunados irmãos e irmãs no momento mais trágico de nossa história, uma prova viva da Divina Providência neste mundo".
Em setembro de 1945, Leon Kubowitzky, secretário-geral do Congresso Hebraico Mundial, agradeceu pessoalmente ao Papa pelas suas intervenções, e o Congresso Hebraico Mundial doou vinte mil dólares ao Óbolo de São Pedro "como sinal de reconhecimento pela obra realizada pela Santa Sé ao salvar os judeus das perseguições fascistas e nazistas".
Benevolência e magnanimidade
Em 1955, quando a Itália celebrou o décimo aniversário da sua libertação, a União das Comunidades Hebraicas Italianas proclamou o dia 17 de abril como o "Dia de Agradecimento" pela assistência recebida do Papa durante a guerra. (...)
Negar a legitimidade da gratidão expressa para com Pio XII equivale a negar a credibilidade dos testemunhos pessoais e dos juízos expressos sobre o próprio Holocausto. "Mais do que todos os outros", lembrou Elio Toaff, um judeu italiano que sobreviveu ao Holocausto e depois se tornou rabino-chefe de Roma, "nós tivemos a oportunidade de experimentar a grande benevolência cheia de compaixão e a magnanimidade do Papa durante os anos infelizes da perseguição e do terror, quando parecia que para nós não havia mais nenhuma escapatória". (...)
O Talmud ensina que "a quem salva uma vida, dizem as Escrituras, lhe será reconhecido como se tivesse salvado o mundo inteiro". Pio XII cumpriu esse ditame do Talmud mais do que qualquer outro líder do século XX, quando estava em jogo o destino do judaísmo europeu. Nenhum outro Papa foi tão largamente estimado pelos judeus, e não injustamente. A gratidão dos judeus, como a de toda a geração dos sobreviventes do Holocausto, testemunha que Pio XII foi, real e profundamente, um "justo gentio".
A "gratidão" kosher:
É evidente que as palavras de gratidão do rabino de Nova York nunca encontraram eco em nenhuma sinagoga, e nem são levadas a sério pelas comunidades judias, já que as torpes campanhas de difamação e as infames calúnias continuam sendo lançadas contra Pio XII e contra a Igreja Católica.
Entretanto, por terem sido proferidas por tão influentes e importantes personalidades da etnia judaica, e por ser tão escandalosa a extraordinária ineficácia desses testemunhos, pode-se legitimamente suspeitar da sua sinceridade e duvidar da honestidade de suas motivações: É mais do que evidente que a gratidão daqueles judeus citados pelo rabino David Dalin, serviu apenas como pano de fundo e ladino pretexto para a velha e insidiosa propaganda do holocausto judeu.
Agora, sem que nenhum rabino ou intelectual judeu se manifeste contra a nova onda de calúnias, as autoridades israelitas por todo o mundo, vão rosnando grosseiros ataques contra o Vaticano e contra o pontificado de João Paulo II e o de Bento XVI.
A.B.
A farsa da Cruz
A difamação de Pio XII
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