quarta-feira, 31 de março de 2010

IVETE SANGALO quando a chuva passar FLORBELA ESPANCA

glitters



FLORBELA ESPANCA

Poetisa: 1894 – 1930
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1894: A 8 de Dezembro, nasce Florbela Espanca em Vila Viçosa. - 1915: Casa com Alberto Moutinho. - 1919: Entra na Faculdade de Direito, em Lisboa. - 1919: Primeira obra, Livro de Mágoas. – 1923: Publica o Livro de Soror Saudade. – 1927: A 6 de Junho, morre Apeles, irmão da escritora, causando-lhe desgosto profundo. - 1930: Em Matosinhos, Florbela põe fim à vida. - 1931: Edição póstuma de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia e ainda das colectâneas de contos Dominó Negro e Máscara do Destino. Reedições dos dois primeiros livros editados. Verdadeiro começo da sua visibilidade generalizada.
FLOR BELA, RAÍZES E RAMOS
Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias semelhantes.
O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu morreres/ somos três desgraçados" .
Será acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.
Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.
Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado "Modernismo", e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.
Inicialmente sem dificuldades económicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de Soror Saudade, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai matrimónio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efectuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Soror Saudade, titulo diferente do projectado e esquecendo a dedicatória.
AS FACES DUMA PERSONALIDADE
Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos.
Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.
Uma quase inventariação das suas diferentes personalidades desenha-se nas palavras de um dos seus contos, a que deu o titulo À margem de um soneto que integra o volume intitulado O Dominó Preto.
Inicia-o falando duma poetisa, a dizer que "vestida de veludo branco e negro, estendeu a mão delgada, onde as unhas punham um reflexo de jóias....", informando um visitante de que tinha fechado o seu "livro de versos... com um belo soneto!"
Segue, "num olhar... afogado em sonho" e "numa voz macia e triste" a leitura do soneto e termina com "o mal de ser sozinha"...suportando "o pavoroso e atroz mal de trazer/ tantas almas a rir dentro da minha!...."
O conto continua em tons e quadros que Florbela frequentemente considera como de si própria e aqui atribui a suposta romancista brasileira: "feia, nada elegante, inteligente, mas com o talento, o espírito e a graça, e sobretudo o encanto, duma imaginação extraordinária, palpitante de vida, apaixonada e colorida, sempre variada, duma pujança assombrosa."
Pondo na mente do marido da personagem, o seu próprio discurso, vai enunciando as "almas diversas que eram dela" e que "ocultava dentro de si".
Entrevê a personagem "imaculada, ingénua, fria, longínqua"; "inacessível e sagrada" de "imaterial beleza" e "a morrer virginal e sorridente".
Referindo um outro imaginário romance apresenta-se "ardente e sensual, rubra de paixão, endoidecendo homens, perdendo honras..."
Com alusão a terceiro presumível livro, qualifica-se "céptica e desiludida, irónica, desprezando tudo, desdenhando tudo, passando indiferente em todos os caminhos, fazendo murchar todas as coisas belas". Mente "dia e noite só pelo prazer de mentir" e "beija doidamente um amante doido."
Quem, ao ler a sua obra poética, a sua prosa, as suas cartas, os seus outros escritos, não a vê usar um milhar de vezes para si própria, termos semelhantes, ultrapassando até tais qualificativos e exageros?
Antes do final ainda a exaltação do ser poeta, que se pode considerar uma das suas constantes:
"- As almas das poetisas são todas feitas de luz, como as dos astros: não ofuscam, iluminam...."
Quem é realmente Florbela?
Ninguém é definível numa só dimensão, num só conjunto de qualidades. Todo o ser é uma intersecção de adjectivações diferentes e até opostas, ensina-me, desde a juventude, o meu amigo Diogo de Sousa, que cursava Filosofia.
No caso da poetisa tem a particularidade de ser ela própria a evidenciá-lo, permanentemente e sem constrangimentos. Parafraseando António José Saraiva e Oscar Lopes na História da Literatura Portuguesa: estimula e antecede o "movimento de emancipação literária da mulher" que romperá "a frustração não só feminina como masculina, das nossas opressivas tradições patriarcais...."
Na sua escrita é notável, como dizem os mesmos mestres, "a intensidade de um transcendido erotismo feminino". Tabu até então, e ainda para além do seu tempo, em dizeres e escreveres femininos.
Os referidos autores, em capitulo sob o titulo Do simbolismo ao modernismo, enumerando várias tendências como "método de exposição ... pedagógica" incluem Florbela num grupo que designam como "Outros poetas". Qualificam-na como "sonetista com laivos parnasianos esteticistas" e "uma das mais notáveis personalidades líricas".
O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Sedenta de glória, diz Henrique Lopes de Mendonça, transcrito por Carlos Sombrio.
Na sua escrita há um certo numero de palavras em que insiste incessantemente. Antes de mais, o EU, presente, dir-se-á, em quase todas as peças poéticas. Largamente repetidos vocábulos reflexos da paixão: alma, amor, saudade, beijos, versos, poeta, e vários outros, e os que deles derivam.
Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.
Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a factos, ideias, acontecimentos.
Curiosa é a posição da poetisa quanto ao casamento. Mau grado dizer que a única desculpa que se atribui é ter casado por amor (!!!), várias vezes se afirma inteiramente contra, apesar de ter contraído matrimónio por três vezes...
Entre os poetas seus preferidos destacam-se António Nobre, Augusto Gil, Guerra Junqueiro, José Duro e outros de correntes próximas. Interessa-se também por Antero.
Pela não publicação das suas obras, ora se mostra descontente por não encontrar editor para os livros que, após os dois primeiros, deseja dar a público, ora pretende mostrar-se desinteressada, mesmo desdenhosa pelo facto. Embora o desgosto seja saliente.
Passados perto de setenta anos sobre a sua morte são falados comportamentos menos ortodoxos em relação à moral sexual do seu tempo. Algumas expressões de emocionalidade um tanto excessiva para a época, embora não exclusivas da escritora, ajudam a suspeita.
Lembramos a sua correspondência e as referências ao irmão, Apeles. Os seus excessos verbais parece não passarem disso mesmo - imoderação para exprimir uma paixão. Aqui, exaltação fora do comum de um amor fraternal mas que não destoa do falar dos seus sentimentos.
Semelhante escrever na correspondência com uma amiga. Afinal nunca esteve junto dessa mesma amiga e apenas a viu em retrato.
Esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são uma constante.
Fernanda de Castro, em escrito retido por Carlos Sombrio, explica as suas contradições, ao dizer" não soube viver sem quebrar preconceitos, algemas, correntes - e não teve coragem de os quebrar todos".
Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores, explica-me a minha jovem amiga Clara Santos, florbelista militante.
A sua única preocupação é ela própria, o amor, a paixão... o querer e o não querer. A par duma vida pouco comum para os cânones vigentes - dois divórcios e três casamentos em cerca de quinze anos - essa relação mulher-paixão e a exaltação ao exprimir-se sobre si própria, podem ter contribuído para os conceitos aludidos.
Repare-se neste começo de um dos seus mais conhecidos sonetos:
Eu quero amar, amar perdidamente !
Amar só por amar: Aqui ... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente ...
Amar ! Amar! E não amar ninguém !
e no final da quadra seguinte
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Na época, conservadora como diz ser, leva a crer muito provavelmente, num viver que nos factos se coadunará e não se distanciará dos conceitos morais e sociais vigentes.
FLORBELA, A ESCRITORA E O CULTO
Pergunto-me o porquê da visibilidade de Florbela e da sua aceitação por um público muito mais vasto que o de muitos outros escritores seus contemporâneos, anteriores e posteriores, de qualidade se não superior, pelo menos semelhante, e de interesse e caracter mais universalista, com preocupações capazes de fazerem apelo a um mais vasto e amplo leque de sensibilidades.
Se a sua obra apresenta inegável interesse e beleza, não deixa de constituir surpresa para alguns críticos, o impacto junto do público leitor, comparado com o de outros autores de igual valia e que fora dos meios ditos intelectuais pouco ou nada são conhecidos.
Abrimos a referida História da Literatura Portuguesa, contamos os vários nomes de escritores aí citados na mesma época, atentamos na análise deles feita pelos insuspeitos autores e constatemos o numero dos que praticamente continuam envoltos numa bruma. Mesmo para leitores de mais largos voos muitos não passam de meros desconhecidos.
Após vasta inventariação de publicações, José Augusto França, na sua obra Os anos vinte em Portugal, indicando umas dezenas de escritores, a Florbela se refere dizendo-a "escondida de todos", acrescentando todavia que "foi ela o caso de mais profunda criação entre as mulheres que publicaram nos anos 20 portugueses".
Para outros não é um astro da grandeza de vários dos seus contemporâneos. Estará um tanto em atraso, quer quanto à forma, quer quanto às suas preocupações. Como explicar então que seja qualificada por muitos como um dos vultos do século - e o seja, pela projecção que acaba por atingir?
Hernâni Cidade referirá "a violenta contradição entre o conceito de poesia de duas épocas distantes ou próximas".
Alguns críticos entrelinham a análise do seu comportamento e da sua obra com dizeres onde se pressente um esforço para evitarem uma sentença relativamente dura.
Natália Correia, em longo prefácio a uma edição de Diário do último ano fala do "coquetismo patético" e refere a sua "poesia maquilhada com langores de estrela de cinema mudo, carregada de pó de arroz". E continua, exagerando um tanto, dizendo que a escritora "estende-se na chaise-longue dos seus quebrantos de diva de versos. Muito a preceito da corte dos literatos menores. Uma cadelinha de luxo acarinhada no chá-das-cinco das senhoras do Modas e Bordados e do Portugal Feminino para explicar que isso nasce da sua insensibilidade "a rupturas engendradas pelas crises do discurso lógico masculino".
Porquê então tal expansão?
O seu culto começa nela própria.
Leia-se o poema, cantado por conhecido grupo musical e um dos mais belos:
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e Alem Dor!
.............................
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
.............................
É ter fome, é ter sede de Infinito!
............................
É condensar o mundo num só grito!
............................
E quantas e quantas vezes Florbela nos recorda que é poeta! E com que euforia:
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Poucos poetas o farão tão repetidamente...
De modo algum pomos de lado a beleza do que escreve, da maneira como se exprime, e do que ocupa a sua escrita.
Sem excluir a qualidade literária, não serão porém inteiramente estranhos ao multiplicar da sua leitura, aspectos que de certo modo lhe serão alheios. Entre outros, o auto retrato da sua vida que desenha um tanto distante do ordenamento e preconceitos sociais da sua época, as variadas contradições, ou aparência de contradições (como admite José Régio) a tragédia da sua morte, o seu empenhamento na publicação, esforçado e continuado, os locais onde vive, propensos à glorificação dos naturais ou próximos, o seu proto-feminismo diferenciado do que se lhe seguirá uns anos mais tarde, mas capaz de chamar a atenção.
Um nome, Guido Batelli, italiano, professor da Universidade de Coimbra, não poderá ser esquecido. Ao traduzir para a sua língua vários dos poemas de Florbela, cria um facto que não se pode dizer muito comum .
E admirando-a sinceramente, contribuirá para a edição (póstuma) de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia. É provavelmente com a sua intervenção que se fazem as primeiras reedições do Livro de Mágoas e do Livro de Soror Saudade.
Régio, sobre o silêncio da Presença, de que diz ter vergonha, explica que só mais tarde a conhece. Chama-lhe "poesia viva" que "nasce, vive e se alimenta do seu (...) porventura demasiado real caso humano". Acompanhará sucessivas reedições de uma parte dos poemas com extenso e elucidativo prefácio, datado de 1950, onde faz análise valiosíssima, exaltando a obra e destacando alguns dos mais brilhantes momentos da poetisa...
Mas é, possivelmente, António Ferro que, em artigo do Diário de Noticias, logo em Janeiro de 1931, chama a atenção para a poesia de Florbela e provoca um acordar de críticos e leitores que até ao presente se não extingue.
POESIA. CONCEITOS E PRECONCEITOS DE AMOR
É a poesia que fará de Florbela o vulto que é. Quase sempre em forma de soneto.
Salvo umas tantas excepções. Algumas quadras incluídas por Rui Guedes em valiosa edição abrangendo a totalidade ou quase da poesia de Florbela .
Uma delas, com um certo sabor à chamada quadra popular:
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
ou esta
Que filtro embriagante
Me deste tu a beber?
Até me esqueço de mim
E não te posso esquecer...
O seu Alentejo merece-lhe palavras de exaltação. Em soneto a que chama No meu Alentejo que inclui em carta à directora de Modas e Bordados exprime-a nos tercetos finais
Tudo é tranquilo e casto e sonhador...
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: Onde há pintor
Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste Mundo?

Escreve também poemas de sentido patriótico. Um deles, dirigido às mães, apelando que calem as suas mágoas pelos filhos que lutam e morrem na guerra em defesa da Pátria, e alguns outros de sentido semelhante.
Mas Florbela lembra claramente que o que a preocupa é o Amor, e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: a solidão, a tristeza, a saudade, a sedução, a evocação da morte, entre outros... E o desejo. Mesmo quando trata outros temas, diz-me alguém que a admira. Olhemos uma das quadras do soneto que intitulou Toledo
As tuas mãos tacteiam-me a tremer...
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço,
Ébrio de Sol, de aroma, de prazer!
O grande paradoxo. O amor, como muitas vezes se lhe refere, sugere um sentir onde o erotismo é componente permanente. Exaltado em vários escritos, noutros pretende 6 ser limpo do que na época se consideram impurezas.
Após os vários casamentos, diz desejar morrer virginalmente.
Tudo produto duma moral que interditava à mulher exprimir o seu prazer sexual, segreda-me uma outra minha amiga, para quem Florbela é o grande expoente da escrita no feminino. As sugestões mais ousadas sobre sexo eram tidas como degradação ou, complacentemente, como provocação, recorda-me.
Pergunta que não terá resposta fácil é saber se Florbela escreve, aproximando-se do explícito, porque pretende romper com os comportamentos tidos como convenientes e dentro do moralmente correcto.
Olhamos o soneto Passeio ao Campo onde começa
Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo! Colhe a hora que passa, hora divina,
bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
e depois de referir a "cinta esbelta e fina..." e outros atributos da sua própria elegância física, continua
E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...
Num outro
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

para concluir
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
O erotismo não fica por aqui. Num outro poema diz:
Sonhei que era a tua amante querida
......................................................
........................................anelante
estava nos teus braços num instante,
fitando com amor os olhos teus
E ainda em sentido semelhante, estes tercetos
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves, cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem!...Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!...
Mau grado dizeres que, pelo sensualismo, sugerem um sentido libertário, uma interpretação do conjunto da sua obra faz pensar em posição cultural divergente.
Contraditoriamente com essa sensualidade sempre presente, afirma não poder olhar para o relacionamento sexual sem um sentimento de impureza, de brutalidade. Em alguns trechos, onde mais fortemente sugerido, as mulheres são impuras, megeras ou sujeito de outros qualificativos semelhantes.
O casamento e a posse são brutalidades, afirma e repete.

A PROSA
A prosa de Florbela exprime-se através do conto e de um diário que antecede a sua morte e em cartas várias, de natureza familiar umas, outras tratando de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspectos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa - naturalidade e simplicidade.
Nos contos, compilados em dois volumes, O Dominó Preto e As Máscaras do Destino, muitas vezes um certo sentido autobiográfico, intimista.
No já referido À margem de um soneto, como atrás dizemos, parece pretender retratar as diferentes personalidades em que se vê, contraditórias e provocantes em relação à época
Num outro conto, Amor de outrora, pressente-se um recordar de ocorrências da sua vida e dos seus enganos e desenganos de amor, desde o primeiro ao terceiro casamento. Várias cartas, para os maridos e para os apaixonados que aparentemente pretende afastar, e para o pai, em que procura justificar algumas situações, ajudam a este entendimento.
Em Crime do Pinhal, ao lado dos "lavadores de honra" pelo assassinato de um sedutor, duas mães no afecto da mesma criança. As suas "madrastas mães" cujo grande e simultâneo afecto por Florbela é retribuído?
No inicio de As Máscaras do Destino, dedicatória a Apeles, o seu Morto, para quem mais uma vez palavras de exaltação e dor, que complementa em O Aviador, visão mítica da morte do irmão amado.
Ao longo dos contos encontram-se frases de grande beleza e força. As expressões de desejo, carregadas de erotismo, atribuídas à personagem do segundo dos referidos contos – que, de algum modo, exprimem as suas contradições na transição para a libertação da mulher. Não podemos porém deixar de os considerar por vezes carecendo de uma certa densidade. Um excessivo uso de palavras e imagens, que pouco ou nada acrescentam ao que pretende sugerir, contribui para uma menos conseguida "análise profunda dos sentimentos e paixões", observa Y. Centeno. E, como nota a mesma escritora, quase permanente é a qualificação das mulheres em puras e impuras, em excelentes e megeras.
As suas cartas, sem a pretensão da criação literária, e talvez por isso, a par da informação factual, apresentam uma visão muito menos enfeitada e artificiosa da sua vivência. Permitem conhecê-la melhor e exprimem estados de alma mais próximos duma humanidade real do que a sua prosa formal e, até, alguns dos seus momentos poéticos.
Sobressaem as que envia à sua amiga Júlia Alves, com quem nunca se encontrará, com quem troca impressões sobre os mais variados assuntos e a quem expõe a sua alma à medida que o relacionamento vai progredindo. Numa delas dirá: "preciso tanto de ser embalada devagarinho... suavemente... como uma criança pequenina, sonhando de olhos fechados, num regaço carinhoso e quente!..." O que talvez ajude a compreender a sua vida e a sua morte.
Numa outra, já após o primeiro casamento, afirma - e isto é por ela redito e contradito: "uma das coisas melhores da nossa vida... é o amor, o grande e discutido amor... " acrescentando umas linhas a seguir que "no entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal..." 8
Escreve à sua amiga com frequência que não deixa de surpreender. Em dias seguidos. Num mesmo dia três missivas distintas. Na que se presume ser a última, um pouco menos de um ano depois da primeira, e já sem o calor que se pressente nas anteriores, agradece dizendo que não esquece o ter-se sentido compreendida e estimada
Em correspondência dirigida a outras personalidades mostra-se triste pois não vê facilitado o caminho para a publicação dos seus livros.
A Raul Proença deixa claro o seu desânimo com o que este pensa dos seus versos, juntando outros sonetos perguntando se desses gosta. O escritor virá a proporcionar-lhe a publicação (Livro de Mágoas).
Traduzirá dois livros (e possivelmente outros), um de Pierre Benoit, Mademoiselle de la Ferté, que constitui leitura obrigatória dos adolescentes da década seguinte à sua morte, e Dois Noivados de Clambol, editados pela Liv. Civilização, do Porto. Assina as traduções como Florbela Espanca Lage. Antes, em várias circunstâncias, usara Florbela Moutinho, apelido do primeiro marido.
O FIM
No último ano de vida elabora um Diário, onde deixará anotações até escassos dias antes do trágico fim. Prefácio a esse fim.
Logo no início explica não ter qualquer objectivo ao escrevê-lo.
Pouco depois do começo espera que "quando morrer é possível que alguém" ao lê-lo "se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão," sobre o que foi ou julgou ser. "E realize o que eu não pude: conhecer-me".
Define-se "honesta sem preconceitos, amorosa sem luxúria, casta sem formalidades, recta sem princípios, e sempre viva", o que encaminha para algumas das questões que se põem..
Depois de recordar os nomes de companheiros e mostrar uma vez mais o amor pelo irmão, Apeles, aviador, cujo desaparecimento em desastre do seu avião a faz sentir mais só. Diz não compreender o medo que a morte causa à jovem autora de um Diário de que reproduz algumas frases.
Examina-se diante do espelho e dizendo-se "grosseira e feia, grotesca e miserável" põe em dúvida se saberia fazer versos. Colocando-nos uma vez mais em face das contradições que a atormentam permanentemente e que exprime numa outra frase: "Viver é não saber que se vive".
À medida que caminha para o final as anotações são cada vez mais raras e curtas.
Afirma que as cartas de amor que escreveu resultavam apenas da sua necessidade de fazer frases. E em oposição frontal com o dito páginas atrás escreve "se os outros não me conhecem, eu conheço-me".
Poucos dias antes de morrer interroga-se "que importa o que está para além?" Responde, repetindo o que diz no soneto A um moribundo: seja o que for será melhor que o mundo e que a vida.
A morte anunciada ao longo da sua escrita ocorrerá pouco depois. Põe fim à vida em 8 de Dezembro de 1930, dia em que faz trinta e seis anos, em Matosinhos, onde vive. Aí é enterrada sendo mais tarde trasladada para a sua terra natal.
Com Florbela morre, não talvez a maior poetisa do seu tempo, mas uma das que mais agudamente e sem temor exprimiu as grandes contradições da sensibilidade feminina nas suas paixões. Ao mesmo tempo, com uma certa ingenuidade, impregnada das verdades simples ou complexas do que é a mulher, na convergência da 9 cultura e do ser.
Que conduz Florbela para a morte?
Fernanda de Castro, em escrito citado por Carlos Sombrio, sintetiza a resposta: "Porque nunca soube pôr de acordo o seu corpo, o seu espírito e a sua alma".
Do acontecimento os jornais quase não dão notícia. Fá-lo-ão a partir daí.
Postumamente são publicadas, por iniciativa do professor Guido Batelli, como atrás se diz, os dois livros de poemas Charneca em Flor e Reliquiae, duas colectâneas de contos, Dominó Negro e Máscara do Destino e uma outra de poesia, Juvenilia.
Começo de uma sucessão de reedições que no caso da poesia alcança já, em alguns casos, a ordem das três dezenas, ou mais, se recordarmos a dispersão editorial.
E alem das de Guido Batelli, algumas traduções, não apenas para italiano.

CHARNECA EM FLOR Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o sol mais criador,
Mais refulgente a lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida,
- Quanto mais funda e lúgrube a descida
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!


Florbela Espanca
Charneca em flor
ROSEIRA BRAVA Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.

Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio amor!

Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!

Tua irmã... teu amor... e tua amiga...
E também - toda em flor - a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!...


Florbela Espanca in "Reliquiae"
MISTERIO D´AMOR Um mistério que trago dentro em mim
Ajuda-me, minh'alma a descobrir...
É um mistério de sonho e de luar
Que ora me faz chorar, ora sorrir!

Vivemos tanto tempo tão amigos!
E sem que o teu olhar puro toldasse
A pureza do meu. E sem que um beijo
As nossas bocas rubras desfolhasse!

Mas um dia, uma tarde... houve um fulgor,
Um olhar que brilhou... e mansamente...
Ai, dize ó meu encanto, meu amor:

Porque foi que somente nessa tarde
Nos olhámos assim tão docemente
Num grande olhar d'amor e de saudade?!

Florbela Espanca in «O Livro D'Ele»
CARTA PARA LONGE
O tempo vai um encanto,
A Primavera 'stá linda,
Voltaram as andorinhas...
E tu não voltaste ainda!...

Porque me fazes sofrer?
Porque te demoras tanto?
A Primavera 'stá linda...
O tempo vai um encanto...

Tu não sabes, meu amor,
Que, quem 'spera, desespera?
O tempo está um encanto...
E vai linda a Primavera...

Há imensas andorinhas;
Cobrem a terra e o céu!
Elas voltaram aos ninhos...
Volta também para o teu!...

Adeus. Saudades do sol,
Da madressilva e da hera;
Respeitosos cumprimentos
Do tempo e da Primavera.

Mil beijos da tua q'rida,
Que é tua por toda a vida.

Florbela Espanca in «O Livro D'ele»
OS MEUS VERSOS Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...


Florbela Espanca in «Reliquiae» SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca in «Charneca em Flôr»
POETAS Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!


Florbela Espanca in «Trocando Olhares»

youtube

glitters

terça-feira, 30 de março de 2010

fotos

glitters

Contador gratuito

A Bicicleta Azul -Rusumo

Naquele princípio de outubro de 1939, Pierre e Isabelle Delmas viviam felizes em suas terra das vinhas de Bordeaux, em Montillac, rodeados pelas três filhas, Françoise, Léa e Laure, e por Ruth, a fiel governanta. Léa tem dezessete anos. De grande beleza, herdou do pai o amor pela terra e pelas vinhas, onde cresceu junto a Mathias Fayard, o filho do administrador, seu companheiro de brincadeiras, secretamente apaixonado por ela. 1º de outubro de 1939. Em Roches-Blanches, propriedade dos Argilat, amigos dos Delmas, festeja-se o noivado de Laurent d'Argilat com a prima, a doce Camile. Reúnem-se os tios e a tia de Léa com os filhos: Luc Delmas, advogado, com Philippe, Corinne e Pierre; Bernadette Bouchardeau e seu filho Lucien; Adrian Delmas, o dominicano, que é tido na família como revolucionário. Também lá estão os apaixonados de Léa, Jean e Raoul Lefèvre. Só Léa não compartilha o regozijo desse dia; está apaixonada por Laurent, e não pode conformar-se com aquele noivado. Conhece François Tavernier elegante e cínico, um homem ambíguo e senhor de si. Léa, por despeito, fica noiva de Claude d'Argilat, irmão de Camille. No mesmo dia, eclode a guerra: é a mobilização geral.Léa assiste desesperada ao casamento de Camille e Laurent. Doente, sob os cuidados do médico da família, o dr. Blanchard, adia a data do casamento. O noivo morre nos primeiros combates. Léa vai a Paris, para a casa de suas velhas tias, Lisa e Albertine de Montpleynet. Ali volta a encontrar Camille e François, por quem sente um misto de ódio e atração. Também encontra Raphaël Mahl, escritor homossexual, oportunista, inquietante, e Sarah Mulstein, uma jovem judia alemã fugida dos nazistas. Laurent parte para o front de batalha e pede a Léa para cuidar de Camille, que espera um filho e cuja saúde e delicada. Apesar disto, ambas fogem da ocupação, pelas estradas do êxodo, sob bombardeios, em condições dramáticas. Em seu caminho, Léa, aflita, cruza por acaso com Mathias Fayard, que lhe dá um momento de ternura, e François Tavernier, que lhe revela o prazer físico. A assinatura do Armistício permite às duas jovens voltarem para sua terra, onde irá nascer o pequeno Charles, com a ajuda de um oficial alemão, Frédéric Hanke. O dia do regresso foi um dia de luto: Isabelle, a mãe querida de Léa, morrera num bombardeio. O pai lentamente mergulha na loucura, enquanto a propriedade é requesitada e se organiza uma vida precária, feita de privações e de dificuldades. Léa, Camille e o pequeno Charles encontram Laurent, que fugira da Alemanha, escondido na casa dos Debray: ele passa para clandestinidade. No seio das aldeias, das famílias, dá-se a divisão entre os adeptos irredutíveis de Pétain e os partidários de uma luta pela liberdade. Institivamente, Léa pertence a estes últimos. Incosciente do perigo, serve de correio aos combatentes clandestinos. Quando a Françoise, sua irmã, ama um ocupante, o tenete Kremer. Mathias Fayard mantém com Léa uma ligação difícil, principalmente porque seu pai cobiça a propriedade. Repelido por ela, parte para o Serviço de Trabalho Obrigatório. Esmagada sob o peso das responsabilidades, Léa volta a Paris, para a casa de Lisa e Albertine de Montpleynet. Partilha o seu tempo entre a transmissão de mensagens para a clandestinidade e a vida mundana da Paris da ocupação. Com François Tavernier, tenta esquecer a guerra no Maxim's, no Ami Louis ou no pequeno restaurante clandestino de Andrieu. Encontra também Sarah Mulstein, que lhe abre os olhos acerca dos campos de concentração, e Raphaël Mahl, que se dedica à mais abjeta colaboração. Nos braços de François Tavernier, sacia sua ânsia de viver. Mas Montillac precisa dela: a falta de dinheiro, a avidez do pai de Fayard, a razão vacilante de seu pai, as ameaças que pesam sobre a família D'Argilat são realidades que ela deve enfrentar sozinha. Nos subterrâneos de Toulouse, graças ao padre Adrien Delmas, volta a encontrar Laurent e se entrega a ele. De volta, o tenente Dohse e o comissário Poinsot interrogam-na. Ela passa a dever sua salvação a interferência do tio Luc. Como seu pai recusa a idéia de um casamento com o tenente Kramer, Françoise foge. É mais do que Pierre Delmas pode suportar, e ele é encontrado morto. O padre Adrien, o tio Luc, Laurent e François Tavernier reúnem-se brevemente para o enterro. Depois de um último abraço em comunhão com a doçura da terra de Montillac, Léa fica de novo só com Camille, Charles e a velha Ruth, diante do seu precário destino.

Não faças da tua vida um rascunho, pois pode não haver tempo de passar a limpo

glittersNão faças da tua vida um rascunho, pois pode não haver tempo de passar a limpo. - (carlos gomes)
"Quando soube que tinha de escrever a minha autobiografia, achei que seria fácil.Começaria pelo meu nascimento até aos dias de hoje.Ao sentar-me diante do computador para iniciar a minha história de vida, então dei conta que não seria assim tão fácil. É preciso ter muita disponibilidade psicológica para colocar no papel uma vivência de 42 anos.Sinto que ao escrever a minha autobiografia será como um escritor ao escrever o seu próprio livro.
Eu sei a minha história e tenho de a ir organizando. O que escrevo tem de fazer sentido e muitas vezes sinto que me falta a inspiração, as frases não saem, sinto a cabeça vazia.Ao contar a minha história recordo bons e momentos menos bons do meu percurso de vida. Sinto que tem sido gratificante colocar para o papel a minha história de vida. Tem-me feito reflectir sobre o que tem sido a minha vida, se tenho seguido o caminho correcto, se as minhas opções foram as mais correctas e chego à conclusão que apesar de alguns acidentes de percurso, a minha viagem tem sido feita em segurança, com responsabilidade e alguma sabedoria.Espero fazer um óptimo trabalho!
Poemas
Correnteza
Na correnteza
da memória
as vozes ocultas,
as lágrimas
sem luz,
a escuridão
das estações,
os silentes
apelos dos mortos,
a lua por
cima dos mitos,
o menino parado
nas planuras,
as palavras que
não regressam( e
no entanto, prosseguem).
Na correnteza
da memória
a ossatura dos
dias,
o sonho assustado
dos galos,
a mansidão
profética dos
bois.
E por cima do
tempo, as
aves, as flores
e os homens
decifrando
o enigma.
Poema
O poema não se constrói do nada.
O poema não se faz do sonho.
É do absurdo que o poema
nasce,
da dor,
das coisas insólitas,
dos vôos fracassados,
das aves de ferro
que não cruzam os céus,
do sol ausente,
dos efêmeros encantos
que nos atormentam,
dos portos que apenas
vemos mas aos quais
nunca chegamos.
O poema se constrói
dos dias idos,
das vagas réstias
que assombram nossas
noites,
das águas paradas dos
pântanos,
da magia das horas
que não se cumprem.
E deste fogo
e desta mágoa
muito além da vida.
Noite
A noite é
uma vaca
de ubres imensos
e boca de pejo.
A noite é uma
loba amamentando
os filhos.
A noite é
uma ave agoureira
clamando no deserto.
A noite é um profeta
sem multidão.
A noite é um
pégaso enlouquecido.
A noite é um
grito de surdos.
A noite é um
monstro bifronte.
A noite é um brado
apunhalando a noite.
Trânsito
No ventre da tarde
as tribos desfilam.
Seus tropéis têm
sons de arcanjos
apunhalando a rua.
Acorrentadas as
tribos se matam
em busca de pão.
Para onde caminham?
Que prêmios disputam?
De que matéria é feita sua solidão?
No ventre da tarde
as tribos desfilam.
E colhem do asfalto
o sangue sazonado
os mortos.
As meninas da 25 de Dezembro
A maresia corroeu a inocênciadas meninas da Rua 25 de Dezembro.Penetrou por suas saias curtas e pobres,fez remoinho em seus sexos,subiu até a altura dos seios pequenosonde a alma e a delicadeza tentaramesboçar uma reação. Em vão.As meninas da Rua 25 de Dezembro,expostas ao odor e à fúria da maresia,expõem seus corpos em plantão permanente.Não querem piedade. Querem foda.Querem vinte, trinta dinheiros,em troca do corpo infantil que a maresiaestá corroendo até a morte prematura.
Um amor em Natal
Um amor que me lesse poemasquando meus olhos glaucomatososexigissem minutos de silêncio.Um amor que me levasse às falésias de sole lá de cima, tonto de anticrespúsculo,me pedisse carícias duras.Um amor que me escrevessetrinta e uma vezes e mais trintatoda vez que eu fugisse dos seus braçospara cumprir a penitência dos malditos.Um amor que acompanhasse revoadas de santossobre a fortaleza, sobre o Potengi,sobre o meu peito, a partir do santuário do seu sexo.
O Potengi
Esse rio é uma loucura,esse rio é um assombro,já fiz amor no seu leito,com água pelos meus ombros,tendo ao lado doze botosme fazendo companhia,rindo seus risos de botosob o sol do meio-dia.Esse rio não existe,é ilusão, pura magia.Um dia levei num barcoa paixão de Margarida,o Potengi ficou doido,lambeu a mulher queridae quase que ele me afogaem treze redemoinhos,cuspiu lodo nos meus olhos,fez ondas, fez burburinho.Esse rio é tão bonitoque perdôo sua loucura.Afoga meu pôr-do-sole corre à minha procura.
Elegia para o poeta Luís Carlos Guimarães
Todas as elegias são inúteiscomo uma lareira sob o vendaval,como um pacto de amor no sonho que se esvai,como uma dor que não eleva, apenas dói.Uma elegia, amigo, não devolveo essencial do teu olhar sobre as coisas líricas,o gesto que enlaçava a poesia como um abraço,o calor humano que emanava de tie queimava qualquer possibilidadede desencontro, de desencanto, de desamor.A elegia que teima em surgircomo uma convidada vestida em roupas soturnasnão recompõe teus passos numa tarde de Natal,numa segunda-feira de bares fechadose amigos abertos ao teu lirismo congênito.Não, a elegia não traz de volta a tua voz saudando poetas e vinhos,elegendo poemas, tocando na última esquinaos peitos dormidos de uma casada infiel.A elegia traz lembranças e as lembrançassão belas mas doem como um soco, um espasmoque conduz ao infarto do miocárdio.As lembranças me conduzem, prisioneiro de mãos atadas,aos primeiros poemas, aos porres inaugurais,ao vinho bebido, quase pela última vez,numa calçada do Porto, junto à beleza melancólicados poetas portugueses.A elegia não refaz a amizade, não responderásemanalmente as minhas cartas. Não atende telefone.Uma elegia, meu amigo Luís Carlos Guimarães,é uma forma de dor que não quero mais para mim.Melhor é me ferir no gume delicado dos teus versos.
Encontro com Lorca no Granada
Era um pedaço da Espanhana Avenida Rio Branco.Don Morquecho comandavaa noite e seus saltimbancos.Dois conhaques apagavama luz do comedimentodo adolescente pobreque sonhava com poesia.Uma noite, quando a luanuma procissão de nardostrouxe Lorca até o bar,o adolescente gritou:- Estive contigo, Lorca,no fogo-fátuo da América.Tu procuravas garotos,eu sonhava com as lésbicas.Eu vinha da Professor Zuzae tu vinhas de GranadaAh, tu sorrias por tudo,e me abraçavas por nada.Ai, Lorca nos meus sentidos,ai, gitano enlouquecido.
Um amor na zona da Ribeira
Um amor de prostitutanos quatro cantos do quarto,é uma tragédia gregaem decadente teatro.Segunda-feira, ela banhao sol e a lua com mel,na terça, oferece a bunda,trancelim, relógio, anel.Na quarta, sente ciúmes,maldiz a vida e a sorte.Na quinta, volta o ciúmeagora muito mais forte.Na sexta, toma um pilequerasga a roupa, desgrenhada.No sábado, você foge,e não quer vê-la por nada.
No domingo, ela se rasga
com gilete enferrujada.
Quatro poemas de José Nêumanne Pinto.A SEARA DE SARAMAGO
Esta língua é minha semente,machado de mulato do morro,pátria de poeta lisboeta.Esta língua é minha visão,o sol do soldado caolho,a mão do soldado maneta.Esta língua é minha música,na palavra do padre pregador,no pássaro do padre voador.Esta língua é minha mulhertem cuidados de mãeno leito da amante.Esta língua é minha rosa,tem perfume dos sertões gerais,tem sabor de vinhos do Porto.Esta língua é meu cavalopara subir cidades e serras,que a brisa do Brasil beija e balança.Esta língua é fel com mel,cantigas a palo secode ninar o futuro.Esta língua é meu coração,na tortura, na paixãoe no sal amargo da purificação.Esta língua é jóia africana,ela caça a onça caetana,ela cruza a légua tirana.Esta língua é fruto de meu ventre,mata sede de amizade,me arma nos bons combates.Esta língua não é de viver,língua de navegar e de lambere de dançar o tango argentino.Esta língua é meu berço,esta língua me conhece, esta língua é meu caixão.NA CASA AVOENGA
A nuca cansada apoiadana palma aberta da mão,os olhos míopesdo velho Chico Ferreiraescutavam o choro do sertãono céu sem estrelasda mais escura vastidão.um sapoum griloum rêsuma rãAssim era o serãona Fazenda Rio do Peixe,de onde fui vindo.Todo som que me vierdo bojo da rabeca de Bié,como chuva na telhae sabor de leite coalhadocom rapadura rapada– eta emoção!GARATUJAS DE BAR
A verdade verdadeira,a verdade profunda,aquela que espreitana falha de San Andrese vive na Gruta do Maquiné;a verdade dos peixesque nadam no atol de Mururoa,não se encontra em antologias,nos romances de amor,nos tratados de filosofia,nos livros de poemasnem nos jornais,nas revistasou nos noticiáriosdo rádio e da TV.A verdade nua- o romantismo tardiodo “Adagetto” de Mahler -;a verdade fria do icebergque afundou o Titanic;a verdade crua da pedra umeque afiava o cinzel do Aleijadinho,esculpindo profetas;a verdade úmida e róseada mucosa que se perdiaentre os pelos e as pernas de Salomée da língua entre os dentes alvosde Salomé;a verdade crueldo bigodinho de Hitlere a verdade alegredo bigodinho de Chaplin;esta verdade adolescente,sadia e doente,esta verdade febril,ela não está nas cançõesde Rodgers e Hartnem nos cocos de Dona Selmaou nos sambas de Cartola.Ela não sente dor de cotovelonem veste cuecas samba-cançãoou calcinhas de renda do Ceará.Esta verdade só se achana poesiados guardanapos de papelde algum boteco da Lapa,manchada de sangue e sêmen,suor e cerveja.STABAT MATERStat mater dolorosa, dum pendet filius (João, 19;25)Stabat mater dolorosa juxta crucem lacrimosa dum pendebat filius(texto atribuído a frei Jacopone Benedetti da Todi)Quando eu nascer,mamãe vai sorriraquele sorriso beatoque só as mães sabem dar:um pouco por se ver,um pouco por ternura;um tanto por me tere outro por tontura.Quando eu me criar(bezerro desmamado),vou beber e tragarseu leite morno- um pouco de proteína,um pouco de gordura;um tanto de escasseze outro de fartura.Quando eu crescer,seu coração vai pulsarao ritmo de baterde versos ditos de cor,um brilho de somna noite escura:palavras de candurarompendo a pausada infância vaga.Enquanto eu viver(ser despido de lembranças),ela vai gargalharde cada travessurae vai me punirpor cada travessura.Terei sua bênção,sendo sua graçaou sua tortura.Se terei!Quando eu morrer,esteja ela onde estiver,aqui no planetacomo no jardim do céu,minha mãe vai padecere vai gemer,minha mãe vai verterseu pranto adocicadoe o leite derramadodo peito esfomeado,sobre o leito esparramado.E, aí, minha mãe vai renascernos filhos que eu tiver,e vai crescer de novonos netos que eu lhe der,e vai viver pra semprenos versos que eu fizer:cantigas de amorna terra bruta,na grama dura,o infinito grão."

Quem fui Quem sou Quem serei

glitters



QUEM FUI QUEM SOU QUEM SEREI Quem sou eu?Bom eu andei pensando e acho que tenho que perguntar, quem eu fui, quem eu sou e quem eu serei!Por que quando somos crianças (quando eu fui pelo menos), somos "seres" mágicos, tudo o que fazemos e imaginamos é fantástico, comer um biscoito de chocolate, tomar um sorvete, passear e brincar na escola. Vivemos temporariamente na "Terra do Nunca", somos todos Peter´s, claro que tem que ter o apoio de nossos pais, para ajudar a criar a atmosfera necessária. Depois passamos para a adolescência, então tudo é "festa", as amizades se tornam concretas e eternas, os amores são "complexos".Sentimos diariamente o "friozinho na barriga", com coisas pequenas, viagens novas, novos paqueras, novas escolas, o vestibular, a tão sonhada ingressão na sociadade, mais amigos, mais amores. Na vida adulta, é a fase mais difícil de se passar (na minha opinião), tudo se torna realmente concreto, no caso cinza! Chegam as contas a se pagar, os problemas que muitas vezes aumentamos para resolver, os filhos para criar, temos que dar satisfação ao esposa, ao chefe, trânsito, pressa, tudo correria e stress, eu ainda não aprendi a ver com bons olhos a vida, então é que eu faço a pergunta, quem sou eu? Hoje? Não sei definir, sei te dizer quem eu fui, com certeza (e fui muito muito feliz). Também posso dizer quem quero ser, mas fica muito indefinido quando não sabemos o momento que estamos vivendo. Você sabe se auto-definir? Não é extremamente difícil essa auto-analise?Quem sabe quando eu estiver com certeza do que eu virei eu te diga. E você sabe dizer quem foi e quem é, até quem vai ser?talves assim com os meus netos. O importante é sempre estar feliz e de bom humor, e com certeza sermos otimistas!

UM DIA DA MINHA VIDA HOMEM QUE ROUBOU DEUS

glitters


Um dia da minha vida
Acordo a muito custo e reclamo por ter de deixar os lençois ainda quentes... Reclamo mais quando me aprecebo o que me espera!
Visto-me, lavo a cara e saio enquanto me esforço por acreditar que no fundo ainda há algo bom no emprego que tenho... Vou no caminho a pregar contra cada sinal vermelho que apanho... Já não me faltavam problemas no trabalho... não quero chegar atrasada ainda por cima!!
O mau humor intensifica-se à medida em que me aproximo.
Estaciono e corro até ao café para um pequeno-almoço rápido...
Na fabrica como chefe de equipa deve actuar como líder inspirador, confiável e sempre acessível às demandas mais simples de seus subordinados, dessa forma, promoverá um ambiente favorável ao desenvolvimento pessoal e de suas equipes consequentemente.
1. A quebra do paradigma de autoritarismo, o chefe que sabe inspirar, ajudar e demonstra interesse nas pessoas submetidas à sua gestão. Toma atitudes que geram confiança à sua equipe.
2. Ouvir sua equipe de trabalho, ter a capacidade de rever seus procedimentos e melhorar sua gestão.
3. Actuar como um facilitador: define à sua equipe sua situação actual, determina os objectivos e traça o procedimento necessário para alcançar estas metas.
4. Busca conhecer os potenciais de sua equipe e dar vazão a esses potenciais de modo a contribuir para alcançar as metas definidas. Usa um critério justo para recompensar àqueles que colaboram com resultados.
5. Cumpre o que promete. Credibilidade
Assim se passa um dia de trabalho.
A Música na minha vida
A música é algo de fascinante já que ao longo dos tempos arrastam seguidores. O grande talento que muitos músicos têm de compor músicas e com elas transmitir mensagens, sentimentos e ritmos. A forma como muitas vezes a música é interpretada levou a vários e distintos géneros de música como por exemplo: punk, rock, música de discoteca e música pop.
A música teve um grande desenvolvimento nos anos 80, onde grupos já existentes só tiveram êxito nesta década como os U2, uns dos grupos meus preferidos com a música (With Or Without you).
Bom Jovi, Duran Duran, Michael Jackson, Gun N´Roses, Madonna, AC/DC, foram alguns grupos de música que só se destacaram nos anos 80. Nesta década surgiu a dance music e o Hip Hop onde se começa a dar mais importância aos sons e ritmos do que às próprias letras.
Um grupo que ainda hoje ouço são os Doors pelo vocalista Jim Morrison um grupo do fim da década de 1960 e principio de 1970. Jim Morrison sempre associado ao mundo das drogas e álcool. Lembro-me da primeira disco que abriu na avenida da república onde rapazes e raparigas se juntavam aos domingos á tarde para ouvir um estilo de música mais electrónica.
Assim ao longo destes anos o desenvolvimento deste tipo de música teve e tem um impacto sobre os jovens, onde percorrem muitas das raves espalhadas pela Europa. Quando estive na Holanda tive o privilégio de poder ir a uma das festas mais badaladas em Amsterdam (SENSATION) mais de 10mil pessoas todas vestidas de cor branca dançando música electrónica. Depois de uma noite a beber cerveja, dançar ainda tivemos de percorrer as ruas de Amsterdam até á nossa hora do comboio já que vivíamos em Handoven. A festa em si e agora recordando é magnifica pela cor branca que nos apresentávamos e pelo ambiente criado num enorme armazém.

Amsterdam 2007

Vou agora citar algumas das músicas e grupos ou artistas que mais tenho ouvido nestes tempos:
Elvis Presley, Pink Floyd, Genesis, David Bowie, Led Zeppelin, Deep Purple, Kiss, Aerosmith, Rolling Stones, John Travolta, Ramons, Michael Jackson, Tina Turner, Stevie Wonder, Rod Stewart, Madonna, Metalica, AC/DC, Doors, U2, entre outros.
Dos U2
Bono
Músicas: With Or Without You
Sunday Bloody Sunday
Doors
Jim Morrison
Músicas: Light My Fire
Riders On The Storm
People are Strange
AC/DC
Malcolm e Angus Young
Músicas: High Voltage
TNT
Live Wire
It´s a Long Way to the Top
Hoje em dia ouço músicas mais pop como Anastacia, Justin Timberlate, Nelly Furtado, Britney Spears, Nirvana, Pearl Jam, Green Day, Madonna, Spice Girls, entre muitos outros.
Em relação á música portuguesa gosto muito de ouvir os Xutos e Pontapés, The Weasel, GNR, Boss AC, Blind Zero, Mão Morta, entre outros.
Os Xutos são um exemplo do que a música pode fazer. Todos sabemos que as letras dos xutos sempre tiveram um efeito social. Por exemplo a canção “Sem eira nem Beira” teve um certo mediatismo social apesar de o grupo dizer que nunca foi a intenção de liderarem qualquer revolução nem apoiar qualquer partido.
Esta faixa, cantada pelo baterista Kalu, como um hino contra as políticas do Governo socialista sua intenção não é fazer um ataque político a ninguém. A letra exprime mais um grito de revolta e é um alerta para o estado da Justiça e para uma classe política em geral que, volta e meia, toma atitudes que deixam os cidadãos desamparados.
O homem que roubou Deus *
Luís de Faria
In Revista Grande Reportagem
Lisboa, 22 de janeiro de 2005
Os meios arqueológicos de Israel estão em polvorosa. Um ossuário onde surge uma inscrição em aramaico falando de um tal Tiago, "irmão de Jesus", é falso. Uma tábua com inscrições hipoteticamente da época do templo de Salomão é falsa. Uma romã em marfim oriunda do mesmo templo é falsa também. O cabecilha da rede falsária chama-se Oded Golan. Todos os objectos haviam sido autenticados por cientistas. Em vez de contestar Deus, a ciência parece querer ajudar a roubá-lo.
E se for tudo mentira? Ou não tudo mas, digamos, um terço? Um terço de um museu importante; digamos, o Museu Nacional de Israel? E com ele os acervos de boa parte de outros museus pelo mundo fora que possuem objectos "da época bíblica"? Que fazer se assim for? Além da credibilidade científica, há o dinheiro. Esses objectos, nalguns casos custaram fortunas. Há semanas, por exemplo, o Museu Nacional de Israel anunciou que um dos seus objectos mais queridos — uma romã em marfim supostamente oriunda do templo de Salomão — afinal não era nada disso. Nos anos 80 do séc. XX, o museu pagara meio milhão de dólares pela romã, depositados numa conta anónima de um banco suíço. A romã não tinha registro de proveniência, mas isso é comum, até para evitar problemas não vá descobrir-se que o objecto foi roubado.
Dias após o museu ter feito a sua espectacular confissão, a Procuradoria-Geral de Israel anunciou que acusava quatro pessoas (e uma quinta não nomeada por ainda se encontrar em paradeiro desconhecido) de pertencerem a uma rede que falsificava objectos arqueológicos. O esquema existia há vinte anos e terá enganado centenas de coleccionadores e museus de todo o mundo. O Instituto Arqueológico de Israel, associado à acusação, sugeriu aos museus e outras entidades que verifiquem tudo o que têm. À partida nada é fiável.
Que a intenção existe, existe. As autoridades israelitas, e em especial o Instituto Arqueológico, há muito que tentam iluminar e limpar o mundo escuro de que Golan faz parte. Durante décadas, praticamente não houve supervisão. Os lugares arqueológicos estavam abertos à rapina e surgiam antiguidades por todo o lado, à mistura com as verdadeiras, evidentemente havia as falsas; e quando alguma autoridade questionava a proveniência, a resposta era sempre a mesma: um negociante árabe, geralmente de Jerusalém Velha.
Em 1978, a lei determinou que os achados tinham de ser reportados e pertenciam ao Estado (os achados anteriores continuaram em mãos de particulares). As ilegalidades no negócio passaram a ser de dois tipos: falsificação e roubo. Em muitos casos, é difícil saber de qual se trata, e pode haver as duas. Os dois objectos mais proeminentes associados a Golan são ambos muito antigos, e ambos, ao que parece, falsos.
Um deles é um ossuário de pedra onde consta uma inscrição em aramaico (língua falada na Galileia no tempo de Cristo) que alude a um tal Tiago, irmão de Jesus (ver Grande Reportagem 170). Em princípio o mesmo Tiago a quem S. Paulo chama o Justo e que identifica como "o irmão do Senhor", numa carta aos Gálatas (Turquia) Percebe-se imediatamente a excitação que semelhante achado despertou quando foi anunciado há dois anos nas páginas de uma revista de referência, a Biblical Archeological Review. O ossuário vinha autenticado por um famoso paleógrafo (especialista em inscrições antigas) francês, André Lamaire. Se fosse verídico, podia constituir prova de que Jesus tinha um irmão, e que portanto sua mãe não seria virgem — assim confirmando a convicção protestante, que nesse aspecto 1 contradiz o dogma católico. Claro que Jesus podia ter tido um irmão não nascido de Maria. José poderia ser viúvo quando casou com ela, e há outras hipóteses: o termo "irmão" não significa forçosamente irmão biológico, mas primo ou tio. As perspectivas quaisquer que fossem eram fascinantes.
Infelizmente não se confirmaram. Uma longa investigação do Instituto Arqueológico determinou que as letras cortam a pátina e que além disso há traços de flúor nela — sugerindo que o ossuário foi fabricado usando água da torneira, pois o flúor é usado na água pública de Israel, como na de outros países, para prevenir cáries. Golan defende-se dizendo que o objecto foi lavado enquanto esteve nas suas mãos, mas os especialistas do Instituto acham a explicação nada credível.
O outro objecto muito falado é uma tábua que ostenta ordens para reparar o templo de Salomão. Também, aí se detectam traços de flúor entre outras coisas.
Segundo a acusação, Golan tinha a operar, desde há décadas, um sistema completo de falsificação que cobria todos os aspectos do negócio, desde o material ao mediático. O método de falsificação era ao mesmo tempo simples e complexo. Simples porque uma vez explicado percebe-se logo como funciona e como é eficaz. Complexo porque depende de um conjunto de condições — incluindo condições psicológicas — para a sua eficácia.
O primeiro passo era arranjar um objecto genuinamente antigo. Ossuários da época bíblica, por exemplo existem em grande quantidade; só o Museu Nacional de Israel tem centenas nas suas caves. Para se lhes atribuir um valor excepcional é preciso terem algo que os distinga. Algo como uma inscrição que sugira terem albergado os restos mortais de alguém como Jesus... ou o seu irmão. É aí que entra a falsificação. Segundo dizem os procuradores, Golan trabalhava com uma verdadeira equipa de especialistas, desde o principal autor material da falsificação — o tal artesão egípcio — até professores universitários e outra autoridades na matéria. Os paleógrafos determinavam a inscrição, o artesão executava, os professores autenticavam.
O cuidado ia ao ponto de as peças nunca serem negociadas directamente por Golan; ao que parece, ele usava uma série de intermediários pelo mundo afora. Coloca-se a questão, mais uma vez , de saber quais deles estariam de boa-fé. Estes esquemas têm sempre um lado "Alves dos Reis". Aquilo que tornou tão eficaz a fraude das notas do Banco de Angola — pelo menos até estourar — foi o fato de a maior parte dos altos responsáveis envolvidos pensarem que elas eram verdadeiras. Com a fraude de Golan ter-se-á passado o mesmo, pelo menos com algumas pessoas. E quando a história sai a público, admitindo que é verdadeira — ou seja, que os objectos são mesmo falsos e que foram produzidos da forma descrita — a pergunta é: qual o papel de todas as pessoas que estiveram envolvidas no processo? Especificamente, até onde ia a boa-fé de cada uma.
Herschel Shanks, director da Biblical Archeological Review, foi o primeiro a dar publicidade ao ossuário; que sabia ele ao certo? A principal autoridade invocada, André Lamaire, já antes autenticara outros objectos que parecem ser falsos. Tê-lo-á feito por ingenuidade? Ou simplesmente por limitações de conhecimento, visto que um juízo desse género é quase sempre, por definição, um juízo de probabilidade e não pode ser outra coisa?
A romã que supostamente vinha do templo de Salomão era falsa. Mas em 1979, quando Lamaire a autenticou, ela era tão verdadeira quanto o podia ser à luz dos métodos de verificação que então existiam. Esses métodos evoluíram, e hoje em dia é possível fazer análises — com técnicas de luminescência, por exemplo — que nessa altura não existiam. Mas isso basta para desculpar Lamaire? Não será ele 2 culpado, no mínimo, de se ter deixado entusiasmar? Aliás, qualquer pessoa associada à descoberta de qualquer objecto histórico pode ter a ganhar com isso, e não só em conforto para o ego. Pode haver recompensas materiais e a nível de carreira.
Em Israel, país que assenta a sua legitimidade histórica na narrativa bíblica, nem só o questionamento da veracidade dessa narrativa pode ser um problema. Pôr em causa os vestígios materiais do passado, também. Como se sabe, a religião produz a busca de relíquias. Assim foi na Europa durante séculos. E não é preciso ter lido Eça de Queirós, com as sua histórias de pregos importados de Jerusalém (os verdadeiros pregos da cruz de Cristo) que eram produzidos e vendidos em série, para perceber que a busca desesperada de provas físicas da fé pode levar a todo o gênero de vigarice.
Judeus e palestinos disputam um certo numero de lugares que têm significado histórico e simbólico para ambas as religiões. Qualquer objecto que enfatize a ligação de uma ou outra religião aos lugares em disputa, tornar-se-á ele próprio, objecto de disputa. Já há sites palestinos que usam as fraudes de Golan para argumentar que, uma vez mais, os israelitas recorrem à mentira histórica para fazer valer direitos que nunca tiveram. Nesse sentido, um crime destes tem efeitos perigosos que ultrapassam em muito o aspecto financeiro.
Mas os efeitos mais graves são a nível cultural e científico. Se os especialistas mais reputados podem ser enganados ou deixar-se enganar — ou mesmo serem corrompidos — que confiança merecem as colecções de museus? É verdade que os métodos científicos de detecção estão cada vez mais evoluídos; mas os falsários também.
* OBSERVAÇÕES SOBRE A REPORTAGO Sr. Luís de Faria exagerou no hiperbólico título, O homem que roubou DeusEM O HOMEM QUE ROUBOU DEUS
, e depois economizou exageradamente em seu brando texto. Apesar da importância da denúncia, o autor deixou de fazer uma grande reportagem ao se empenhar, visivelmente, em atenuar e limitar as implicações das fraudes cometidas pelo Museu Nacional de Israel em conluio com os Institutos de História e de Arqueologia da Universidade Israelita. Essa movimentação dos arqueólogos judeus não é por acaso, e nem essas manobras são assim tão simples como a pequena reportagem quer fazer crer.
A ganância por dinheiro ou por prestígio académico não são as principais matrizes geradoras desses fatos, e se lançarmos um olhar mais atento sobre esse obscuro horizonte, vamos verificar que o comércio de pequenas relíquias falsificadas por vendilhões, no romance de Eça de Queirós, de modo algum pode ser comparado à escandalosa enxurrada dos "evangelhos" apócrifos "autenticados" por essas "autoridades académicas", e de outros misteriosos "evangelhos" atribuídos a Maria Madalena, ou a Judas, numa sórdida orquestração que o autor do texto O homem que roubou Deus, obviamente preferiu não abordar.
É evidente que não foram só os directores do Museu Nacional de Israel, nem aqueles honrados senhores doutores, os que arquitectaram essa fantástica tramóia: eles são peões obedientes e descartáveis1 de uma estratégia maquinada noutra instância, num tabuleiro maior; mas aqui nesta farsa, até o exército judeu, metodicamente, cientificamente, vai bombardeando e destruindo importantes lugares e sítios arqueológicos da história do cristianismo, como o túmulo de São José.
Se os fatos denunciados não estivessem encadeados e imbricados numa 3 formidável rede de embustes e mistificações – como O diário de Anne Frank e suas páginas escritas com caneta bic – seria suficiente o opróbrio desses arqueólogos e professores-doutores judeus e, desse modo, mais outro episódio de fraude e falsificação dentro da universidade israelita seria encerrado e arquivado.
Mas a torpe finalidade para a qual esses fatos foram tramados continua envenenando, pois as grandes redes internacionais de televisão – sob o cinismo e a farsa da maçonaria da B'nai Brith e do sarcástico beneplácito das sinagogas e dos rabinos do Congresso Mundial Judaico – insistem em apresentar, à exaustão, como se fossem sérios e verídicos, "reportagens" e filmes sobre esses e outros "achados arqueológicos" com os quais procuram, não só atacar a Igreja, mas ofender e agredir toda a cristandade.
Da mesma forma, e com táticas semelhantes, seguem os ataques à honra de Pio XII, apesar de estarem completamente desmoralizadas todas as acusações que lhe fazem. Tanto no caso das fraudes e falsificações arqueológicas, quanto na difamação de Pio XII, sempre veremos representantes eminentes das comunidades judias que se mostram ao lado da justiça mas, estranhamente, jamais contribuíram efetivamente para a mudança da índole caluniosa da maioria dos seus patrícios e agregados, e nem da perversa sanha e da hipocrisia dessas organizações judaicas incrustadas por entre as nossas sociedades. Somente pessoas sem escrúpulos, ou perigosamente perturbadas, podem destilar tanto veneno e tanto ódio e cultivar tamanho rancor, a ponto de se entregarem à indignidade da calúnia e da mentira, como fazem esses governantes israelitas, agora contra a dignidade e a honra de João Paulo II e de Bento XVI.
Nunca uma campanha de difamação de alguma instituição foi tão furiosamente planejada e levada a cabo, quanto a que estamos a assistir sob os auspícios do judaísmo internacional. Em cada canto do planeta, por mais remoto que seja, vamos sempre encontrar algum pequeno canalha pronto a repetir e continuar as desavergonhadas táticas e estratégias de desinformação e falsificação da História.2
Mas, voltando à pequena reportagem, o autor faz por desconhecer o fato que somente quando os rumores da falsificação e da fraude já circulavam entre os pesquisadores estrangeiros, e estava prestes a estourar o escândalo por toda a comunidade acadêmica internacional, foi que o Museu Nacional e a Procuradoria Geral de Israel, se apressaram a mandar "investigar o assunto". Entretanto, e durante décadas, o malicioso objetivo havia sido logrado e outras formas de sabotagem já teriam um substrato psicológico para se infiltrarem e instalarem como, por exemplo, vários filmes e livros, como O código Da Vinci, em que os fundamentos da Igreja são atacados e vilipendiados com "provas" e "argumentos" anteriormente forjados por doutores judeus nas universidades hebraicas.
Finalmente, também é notável, e bastante significativo, que entre as graves conseqüências decorrentes desses atos criminosos, o Sr. Luís de Faria apenas entenda que os "efeitos mais graves" estejam no âmbito "da cultura" e "da ciência". O indecente desrespeito às mais elementares noções da ética e os indeléveis prejuízos morais e afrontas espirituais – sofridos não só por toda a comunidade católica, mas por todos aqueles, homens e mulheres de qualquer crença, raça ou nacionalidade, que vêm sendo insultados pelo farisaísmo e fraudes dessas instituições judias – para ele são "apenas" meros aspectos secundários ou "efeitos" desimportantes?
Ele acha perigosa a indignação do povo palestino, mas não o profundo cinismo do usurpador judeu. 4

NOTAS:
1 E agora está absolutamente evidente que não estamos lidando com pessoas honestas: Logo que a poeira do escândalo assentou, imediatamente arranjaram outros "arqueólogos" e voltaram à carga com a mesma tramóia e a mesma impostura para tentar denegar, a qualquer custo, a dignidade dos santos da Igreja e a divindade do Cristo. Nesse macabro concerto, desde fevereiro de 2007, a mídia judaica afina-se em ladina orquestração e conluio com a indecente "arqueologia israelita".
2 Uma outra faceta dessa desonestidade e arrogância judaica, é a falácia judeo-sionista ao tentar cunhar a expressão "judaico-cristã" para denominar a nossa civilização católica – a qual emana do profundo legado da arte e da filosofia gregas, do direito romano, e da religião cristã – e, dessa maneira, insinuar que a contribuição hebréia teria se estendido para além do velho testamento, ou para fora das sinagogas. Em realidade, só recentemente o judaísmo passou a ter alguma importância no ocidente e, mesmo assim, essa estrangeira influência – absolutamente perniciosa – vem emergindo através da obscuridade da maçonaria e do não menos sinistro judeo-sionismo em suas várias modalidades de atuação como, por exemplo, a dos arqueólogos judeus, ou a de certos artistas, enquanto procuram roubar-nos a nossa herança histórica e, rancorosamente, denegar e destruir os nossos valores ancestrais.
Nós julgamos sempre que o Cristianismo consiste em pertencer à Igreja e perfilhar certa fé. Na realidade, o cristianismo é o nosso mundo. Tudo o que pensamos é fruto da Idade Média cristã, até a nossa ciência; em resumo, tudo o que se move dentro de nossos cérebros é, necessariamente, moldado por essa época histórica que vive, ainda, em nós, pela qual estamos definitivamente impregnados e que representará sempre, no mais distante futuro, uma camada da nossa constituição psíquica, nisso se assemelhando aos vestígios que o nosso corpo traz do seu desenvolvimento filogenético. A nossa mentalidade, a nossa concepção das coisas, nasceu na Idade Média cristã, quer se queira quer não. A época das luzes nada apagou. A marca do Cristianismo encontra-se, até, presente na maneira como o homem quer racionalizar o mundo. A visão cristã do universo é, assim, um dado psicológico que escapa às explicações intelectuais.
C.G.Jung
O homem à descoberta da sua alma, Brasília Editora, Porto, 1975, p. 411 FIM.